Pedro Fidalgo (*) - Segunda-feira, 19 Novembro, 2007
As rápidas informações que se seguem são apenas um resumo dos últimos movimentos estudantis em França. São um retrato rápido (que o tempo não deu para mais) do movimento contra as políticas de Sarkozy. Dado os média franceses (televisões, rádios, jornais e revistas) estarem na quase totalidade em colaboração com o governo de Sarkozy e tentarem dividir a opinião pública, distorcendo o contexto da luta dos estudantes, sinto-me no dever de fazer chegar aos estudantes e jornalistas portugueses algumas informações mais específicas dos acontecimentos.Contra as reformas no ensino superior
De há duas semanas para cá que os estudantes franceses combatem a lei de autonomia das universidades, a chamada lei Pécresse. Este combate, mais difícil que o esperado, começou a ser impedido pelas forças da ordem, nas quais se inclui a grande arma do governo de Sarkozy, os média.
Com o bloqueamento da entrada de algumas universidades e a ocupação de outras, os média adoptaram mais uma vez uma posição de sensacionalismo e espectáculo, forçando a divisão dos estudantes entre ‘bloqueurs’ e ‘anti-bloqueurs’, que guerreiam agora entre si pelo bloqueamento ou não das universidades em vez de debaterem e reflectirem sobre o sentido da lei Pécresse. A televisão, tanto pública como privada, entrevista e focaliza aspectos mediocremente interessantes sobre a lei Pécresse, para reforçar o impedimento das ocupações e manifestações dos estudantes.
Cargas policiais
Na Universidade de Nanterre, o presidente chamou a polícia para desimpedir o bloco da entrada da universidade acusando os alunos de “minoria” que comete actos “terroristas” e de “khmers vermelhos”. A polícia foi apoiada por alguns dos ditos ‘anti-bloqueurs’ cantando o hino nacional de braço erguido e aplaudindo a pancadaria entre CRS e estudantes. (ver vídeo http://www.rue89.com/2007/11/13/nanterre-coups-de-matraque-sous-les-applaudissements)
Uma outra manifestação estava organizada para sexta-feira dia 16 às 14:00 frente à Assembleia Nacional, mas devido à greve dos transportes públicos, ficou pelas 200 pessoas. Depois de impedido o acesso a várias ruas do Quartier Latin, os manifestantes deslocaram-se para a Gare d’Austerlirz onde se encontrariam com os funcionários dos caminhos de ferro também estes em greve. A entrada da gare foi bloqueada pela polícia que não permitiu a continuação da mani
festação, decidindo os manifestantes por abandonar a possível deslocação até Bastille, isto porque a polícia era tanto ou mais numerosa que os manifestantes.
Sexta-feira, dia 16, várias universidades foram evacuadas pela polícia e outras encerradas por ordem das reitorias.
União com os trabalhadores
Trinta e tal universidades estão bloqueadas e outras ocupadas há vários dias. No caso da Universidade Vincennes - St. Denis (Paris 8), ainda não falado por nenhum média, a ocupação decorre pacíficamente e conta já com o apoio dos trabalhadores da RATP (rede de transportes de Paris) e professores do liceu. Este triângulo solidário apareceu pela madrugada do dia 16 do mês corrente na sede da RATP onde os trabalhadores faziam greve. Mesmo com o frio da geada, estudantes e professores não desistiram e dedicaram todas as energias para manter esta união entre trabalhadores e estudantes. Os estudantes propuseram ainda comunicar aos vendedores do mercado de St. Denis a luta à qual se devem juntar e ainda se espera o apoio dos trabalhadores dos caminhos de ferro que parecem estar abertos a receber os estudantes nas próximas Assembleias Gerais.
Sarkozy manobra
Enquanto as greves continuam e os média teimam em mostrar que o movimento popular é apenas uma greve de transportes incómoda e que pode durar como em 1995, o presidente da República Sarkozy tenta o populismo para atenuar os descontentes. É o caso de uma das suas visitas aos marinheiros pescadores da Bretanha, que também estavam em greve, onde acaba por ameaçar um cidadão após este o ter interpelado referindo o aumento de 140% no salário do presidente. Nos seus passeios e visitas o presidente Sarkozy continua a dizer que vai aplicar as reformas previstas e que não tenciona ceder.
Sindicatos conformistas
O movimento estudantil, considerado minoritário, reage a todas estas provocações reunindo dia e noite, saindo à rua, gritando e impedindo a circulação das vias férreas. Vivendo nas universidades ocupadas, alguns estudantes discutem o caminho a dar ao movimento, pois querem deitar abaixo a reforma de Valérie Pécresse e sentem-se abandonados pelo seu máximo representante sindical, UNEF (União Nacional dos Estudantes de França) , que tenta discutir com o governo as possíveis alterações da lei de autonomia das universidades. O movimento rejeita e critica na sua maioria a falta de rebeldia e uniformização dos sindicatos instituídos, como ainda apresenta uma forte descrença partidária. Para alguns estudantes “a lei Pécresse é apenas um pretexto” porque o que motiva a revolta em geral é o “anti-sarkozismo”, já existente mesmo antes da eleição do presidente.
Memória do Maio de 68
No próximo ano, contar-se-ão quarenta anos após as revoltas de 68. Para muito s estudantes militando contra a lei Pécresse essa é uma referência gasta, motivo pelo qual não a querem incluir nas discussões surgidas em várias reuniões, contrariamente a alguns professores que evocam a revolta do Maio 68 como uma luta inacabada. Algumas das comparações com os eventos dos anos 60 surgidas em 2005, após as contínuas greves estudantis no combate ao CPE (Contracto Primeiro Emprego), estarão possivelmente a realizar-se focando assim o facto de em 1967 ter havido vários movimentos de contestação que só viriam a culminar seriamente em 68; e agora um ano e meio depois dos meses atribulados de Abril e Maio de 2005, a revolta, ainda agora começada, passa da palavra à acção e parece querer prolongar-se.
Por uma nova Europa anticapitalista
Entre os estudantes em luta estão vários estudantes estrangeiros de outros países da União Europeia. Casos de Itália, Alemanha e Portugal. A livre circulação na UE permitiu fazer da Europa um local de debate aberto e já por algumas vezes, desde que as greves começaram, embora de forma fugaz, foram evocados e postos em causa o sistema LMD também conhecido como Processo de Bolonha, e a autonomia das universidades. Mais difícil até agora de debater é a influência do sistema neo-liberal e da comunicação social; bem como Bruxelas e todo o rumo que a União Europeia tende a tomar. Se, para a generalidade dos estudantes franceses, a luta é contra Sarkozy , do lado dos estudantes estrangeiros a luta parece estar inclinada para a reformulação de uma nova Europa anti-capitalista. As alternativas e propostas parecem escassas e por enquanto mantém-se em torno da lei da ministra Pécresse.
Uma luta não só francesa
Visto que esta luta tem uma visão ampla e não só estudantil, não só francesa, italiana, grega, portuguesa ou alemã, e as greves dos desfavorecidos começam a ser frequentes por todos os cantos da Europa, é importante uma união contra estas políticas que vão metendo todos os países no mesmo saco económico, reduzindo os cidadãos a clientes. Não esquecendo ainda a visão da política externa e colaboração com o governo dos EUA, o Iraque, o Afeganistão, a sociedade espectacular dos média (já há tanto anunciada por Guy Debord), etc…
Além disso, note-se também, que uma grande parte do proletariado europeu constituída por imigrantes estrangeiros, não se manifesta, gerindo-se pela lei da boca fechada. O medo incutido por um pensamento do tipo “não estás no teu país; aqui damos-te trabalho; se não gostas volta para de onde vieste” leva os imigrantes a trabalharem mesmo com dificuldades, aceitando todas as condições. A isto chamo eu “colonização interna”, onde para capricho do europeu, se exploram as condições precárias da mão-de-obra de outros povos, aumentando assim na Europa, por interesse do regime vigente, um proletariado mudo que não pode revoltar-se pelo simples facto de ser estrangeiro.
Apelo à união de forças
É pois, esta coluna aberta, um convite e apelo aos estudantes e jornalistas portugueses, a ajudarem a divulgar o que realmente se passa em França neste preciso momento, mesmo que pareça pequeno em comparação aos combates da América do Sul ou África. Por algum ponto as coisas têm de mudar. Em Portugal temos propinas que aumentam todos os anos porque não lutámos a tempo. O salário mínimo é vergonhoso. É baixo o poder de compra. Agora, o espírito mole e praxista reina nas associações académicas. O ensino é pobre e em função dos interesses das empresas que os “patrocinam”. Mas isso é reversível. Em França, por enquanto, os estudantes ocupam as universidades, só têm o apoio dos trabalhadores dos transportes públicos e professores, mas tudo parece poder alastrar aos bairros sociais, nascendo assim um verdadeiro bloco popular. Se as fronteiras estão abertas entre os países europeus, não será assim tão difícil unir forças internacionais.
(*) Pedro Fidalgo é estudante de Teatro na Universidade de Paris 8
2 comentários:
Olá!
Essa lei francesa que é referida, Pécresse, é o equivalente ao RJIES que estão a tentar implementar em Portugal?
Mais uma, o RJIES ainda vai a tempo de ser vetado pela Presidente da República ou ele já o aprovou?
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O RJIES já foi aprovado na assembleia e está a ser implementado. A lei pécresse (lei para a autonomia das universidades) é realmente muito semelhante ao RJIES, em França a lei também já foi aprovada em assembleia, em Agosto, ainda assim os estudantes frances têm-se manifestado pela revogação da lei.
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